Saio de casa logo cedo. Arrumo minha bolsa com as coisas que
carrego. Minha imagem pequenina de Santo Antônio, que ganhei naquela
peregrinação ao Boqueirão. Meu terço de pedrinhas já corroídas pelo desgaste,
do tempo e dos dedos que não se cansam de traçá-las. Meu
crucifixo ganhado com carinho de padre Mauro não sai de casa sem ele.
Abro a porta vagarosamente a fim de não acordar quem ainda encontra-se embalado
pelo sono. Vou aos passos repetindo aquela oração de guarda que aprendi de
minha avó. Traço a cruz em meu semblante, repetindo com alegria: “Nos passos
que hoje caminhar, seja meu anjo doce companhia. Não me deixe sua mão nem de noite,
nem de dia". Vou caminhando pela rua ainda meio que envolta nas trevas.
Poucos são aqueles que andam neste momento. Logo de longe vejo despontar as
torres da matriz. Suas pontas agudas tocam de forma tão belíssima os cantos do
céu. Elas entram em contraste com as cores ainda meio alvas do sol que
nasce.
Não saio de minha casa sem antes rezar. Chego logo cedo na igreja
para poder rezar. Não há quase ninguém. Fora o zelador e aquela senhorinha que reza
também todos os dias no mesmo horário. Quando chego aos cantos desta Igreja
sinto uma voz que pede uma prece de silêncio. Fico olhando os vitrais que a
protegem das intempéries do tempo. Não me canso de olhar cada um deles
todas ás vezes que aqui venho. Gosto de ficar aqui sentado olhando as imagens.
A imagem do Crucificado é a que mais me chama a atenção. Como pode um homem bom
morrer assim por amor a mim. Toda vez na confissão o padre pede a repetição de uma
prece que diz: " Meu Jesus Crucificado por amor de vossa paixão e de vossa
cruz afastai de mim todas as potências e ciladas do inimigo. Por amor foi
que morreste por mim. Tem compaixão." Sinto alegria toda vez que repito
estas palavras.
Meu silêncio é que pede lugar. Falo de coisas o tempo inteiro.
Porque não calar um instante? Escuto tantas coisas deste Deus. Muitas
permanecem no silêncio e talvez sejam estas as que dou mais valor. Neste
instante de amizade não tem tempo nem correria, venho logo tão cedo para não
fazer folia. O avexo não deve fazer morada nestes instantes de prece. Não
tenho muito para dizer em minhas preces. Sei que Deus que bem me conhece sabe
daquilo que preciso. Peço apenas à saúde que não falte, a
perseverança que não acabe. Não preciso ser rico, tenho os tesouros
que preciso. Não desejo fama nem glória, sou amado e querido pelos
meus. Numa prece de silêncio apenas olho no sacrário aqueles que me diz: “Mais
um dia". Não peço que ele faça minha vontade, só a vontade Dele e nada
mais. Se fosse feita minha vontade o que o mundo não seria?
Venho aqui não mais para pedir, pois já tenho tudo o que preciso.
E se tão somente para pedir nem me daria ao trabalho de cá estar, afinal Deus
me dá tudo que necessito todos os dias. Minha prece presa no intento de apenas
lhe olhar. Não digo muitas coisas nas palavras. Não sei nem mesmo dizer coisas
bonitas como muitos o fazem por ai. Sou dos que guardam o amor em silêncio mais
absurdo de mim mesmo. Minha prece de simplicidade apenas presa pelo aconchego
deste Deus que sempre cuida de mim. O percebo nos dias que passam e nas coisas
que empenho. Na dor sinto sua mão junto ao meu ombro. Até nos dias em falta-me
a caridade. Quem não tem esses dias em que está com vontade de chutar o pau da
barraca. Mas é sua calma que me alenta. Aprendi no silêncio dele que me diz
tudo. No olhar dele que me revela tesouros de sua presença. Sou incompleto sem
seu silêncio de Deus que me diz tudo.
O joelho já está do trabalho e das orações que faço. Todos os dias
quando aqui venho, ponho-me de joelhos e apenas olho. Minha oração diz tudo que
preciso. Deixo Deus falar e meu coração acolhe tudo aquilo que ele diz. Digo
muito o dia inteiro no trabalho. Aqui tenho meu recanto de sossego e paz. Uma
paz que acalma a alma e o coração. Preciso logo ir, mas tão logo
voltarei a fim de completar esta prece de minha vida.
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