Não foi de instante que vivi aquele
momento. Não foi um devaneio de pensamentos, como daqueles que sempre tenho
quando a coisa de fato não me interessa. Foi um encontro de mistérios, uma
saudade do lugar que de fato nunca visitei. Saudades talvez do céu. E sentado
nas penumbras meio cinzentas dos assentos postos atrás da cadeira do
Senhor bispo em nossa catedral diocesana. Olhei ao alto aquela cruz cravada nas
abóbodas do teto. Era assim uma dor com mistura de amor. Um Deus ali cravado pelos
meus pecados. Um Deus pregado pelos meus pecados.
Uma pequenez de mistérios,
uma grandeza de gesto. Um Deus colocado numa cruz por amor de mim. Porque por mim?
Eu que nada tenho de bom. Eu que nada tenho para retribuir e na pequenez de
minha vida tento alcançar as mãos daquele Deus Cravado. Poder deixar cair ao
menos uma gota daquele sangue sagrado. Ao menos por um mero segundo poder
sentir aquele olhar, aquele jeito de falar. Sentia como que transportado para
Jerusalém. Era como sentir os ventos de Gólgota. Era como ouvir os gritos
dos acusadores e o choro daquelas mulheres lacrimosas. Era um dor com misto de alegria,
uma alegria velada pelo desejo incontido de tocar, sentir aquela chaga sagrada.
Chagas feitas nele e que curaram as minhas dores. Chagas feitas nele, mas foram
as minhas saradas pela sua dor,
Como poderia
esquecer? Como posso cair ás vezes no esquecimento de tamanho amor? Prefiro
amar as coisas desta terra, prefiro abraçar as temporalidades deste mundo. Como
esqueço por instantes que Tu fizestes aquilo que ninguém faria por mim? Um amor
sem versos, sem flores, sem canções. Contudo, um amor cravado em gestos, em
gritos de dor. Gritos de amor por mim. Porque não existe prova de amor maior do
que conceder sua vida por aquele que se ama. E Tu Senhor não fizeste outra coisa:
se não doar Tua vida por meu amor! Como me esqueço disso por vezes?
Naquele instante
sentia-me João e Doutor da lei, Maria e soldado. Porque ao mesmo tempo em que
te amava e sentida tua dor, também traia por recordar ás vezes que não fui
capaz de perceber esse amor! Perceber a beleza daquele sangue que diversas
vezes recebia na comunhão. Por não entender muitas vezes as provações da vida e
preferir esquecer que teu amor me sustentava. E olhando aquela cruz perdurada
naquela Igreja, tinha o desejo de por um instante amar-te com a própria vida.
Por um instante só dizer do meu amor por ti, amor que pudesse jamais me fazer esquecer-se
de Ti. Tu que nunca se esquece de mim. Tudo isso percebido na Beleza desse
sangue.
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